Mandaguari (Scaptotrigona depilis): Curiosidades e Potencial Produtivo
1. Introdução: A Mandaguari, Guardiã do Fungo Essencial
A Scaptotrigona depilis, uma das espécies conhecidas popularmente como Mandaguari, é uma abelha nativa sem ferrão que intriga pela sua biologia e potencial produtivo. Sua característica mais notável e curiosa reside em uma relação simbiótica fundamental com fungos, um aspecto que a diferencia e a torna um objeto de estudo fascinante. Este artigo explora as particularidades dessa espécie, desde sua identidade e distribuição até seu comportamento complexo, a qualidade de seus produtos e as estratégias de manejo necessárias para aproveitar seu potencial e garantir sua conservação. A compreensão dessa simbiose e de outros aspectos de sua vida na colmeia é crucial para meliponicultores e para a valorização da biodiversidade brasileira.
2. Identidade da Espécie: Nome Popular e Científico
A espécie é cientificamente denominada Scaptotrigona depilis (Moure, 1942). Assim como outras abelhas nativas, a Scaptotrigona depilis é conhecida por uma variedade de nomes populares que refletem a diversidade regional e, por vezes, a confusão na nomenclatura. É popularmente chamada de "Mandaguari-preta" 3, "Mandaguari" 22, "Canudo" 23, "Tombuna", "Mandaguay" e "Tubiba".18 A sobreposição de nomes populares, como "Mandaguari", que também se refere à Scaptotrigona postica, reforça a importância de se utilizar o nome científico para uma identificação precisa. Essa clareza é fundamental para garantir que as informações de manejo, pesquisa e conservação sejam aplicadas à espécie correta, evitando equívocos que poderiam impactar a saúde das colônias ou os esforços de proteção. A multiplicidade de nomes populares também sublinha a diversidade dentro do próprio gênero Scaptotrigona, onde diferentes espécies podem compartilhar denominações semelhantes.
3. Onde Encontrá-las: Distribuição Geográfica
A Scaptotrigona depilis apresenta uma distribuição geográfica que abrange diversas regiões do Brasil, indicando sua adaptabilidade a diferentes biomas. Ocorre naturalmente nas regiões mais quentes do Paraná 3 e é registrada em vários outros estados, incluindo Mato Grosso do Sul (MS), Minas Gerais (MG), São Paulo (SP), Rio Grande do Sul (RS), Goiás (GO), Distrito Federal (DF), Santa Catarina (SC) e Paraná (PR).24 No Ceará, a espécie foi observada em diversas unidades fitoecológicas, como o Complexo Vegetacional Litorâneo, Floresta Seca e Úmida de Paisagens Cristalinas e Sedimentares, e Savanas Interioranas.25 Embora seja encontrada na Caatinga, sua ocorrência é menos frequente nessas áreas.25
A análise de sua distribuição sugere que, embora a Scaptotrigona depilis seja adaptável a uma ampla gama de ambientes, ela parece se desenvolver e ser mais produtiva em regiões de floresta úmida e seca, bem como em locais com maior umidade relativa.25 Essa preferência ambiental é uma informação crucial para meliponicultores, pois indica que a instalação de meliponários em regiões que mimetizam essas condições favoráveis pode otimizar o desenvolvimento das colônias e a produção de mel e própolis. A compreensão detalhada de sua distribuição e preferências de habitat é essencial para o sucesso da criação e para a implementação de estratégias de conservação eficazes.
4. Aparência e Morfologia: Características Físicas
As informações detalhadas sobre o tamanho e a coloração específica da Scaptotrigona depilis não estão exaustivamente descritas nos materiais disponíveis. No entanto, sabe-se que as colônias desta espécie são notavelmente populosas, podendo variar de aproximadamente 2.000 a 50.000 abelhas.26 Essa grande variação no tamanho populacional é um indicador significativo do potencial da espécie para um crescimento robusto da colônia e, consequentemente, para uma alta produtividade de mel e própolis.
A capacidade de formar colônias tão numerosas torna a Scaptotrigona depilis uma espécie atraente para a meliponicultura, pois colônias maiores geralmente se traduzem em rendimentos mais elevados. No entanto, essa característica também implica que os meliponicultores devem estar preparados para gerenciar colmeias muito populosas, o que pode exigir caixas de maior volume ou divisões mais frequentes para evitar o abandono do ninho por falta de espaço. A robustez populacional da Scaptotrigona depilis é, portanto, um fator-chave que influencia tanto seu potencial produtivo quanto as estratégias de manejo necessárias.
5. O Lar da Abelha: Ninho
A Scaptotrigona depilis constrói seus ninhos em ocos de árvores.26 Uma das características mais fascinantes e singulares desta espécie é a sua relação simbiótica com um fungo do gênero Monascus. Pesquisas revelaram que as larvas da Mandaguari se alimentam dos filamentos desse fungo, que é encontrado no cerume de seus ninhos.22 O cerume, uma mistura de cera produzida pelas operárias e resinas vegetais, serve como material de construção para as células de cria. Após a construção das células, as operárias as preenchem com alimento líquido larval. A rainha então deposita um ovo sobre esse alimento, e a célula é selada.22
Cerca de três dias após a postura do ovo, quando a larva eclode, o fungo começa a emergir do cerume e prolifera na superfície do alimento líquido, sendo consumido pelas larvas e desaparecendo completamente por volta do sexto dia de vida das abelhas.22 A sobrevivência das larvas da Mandaguari é criticamente dependente desse microrganismo; sem ele, poucas larvas conseguem sobreviver.22 O fungo é transmitido às gerações subsequentes de abelhas por meio do cerume "contaminado". Após as larvas deixarem as células de cria, as operárias raspam o cerume e o reutilizam para construir novos ninhos. Além disso, ao construir uma nova colmeia, as abelhas transportam cerume da colmeia-mãe para a colmeia-filha, garantindo a transmissão do fungo.22
Essa simbiose é um aspecto fundamental do ciclo de vida da Scaptotrigona depilis, revelando uma dependência biológica complexa e única em sua ecologia nutricional. Para os meliponicultores, essa descoberta implica que a saúde do cerume e a presença desse fungo são fatores críticos para o sucesso da propagação e do manejo das colônias. A transferência do cerume contendo o fungo durante as divisões de colmeias é, portanto, essencial para garantir a viabilidade das novas colônias.
6. A Vida na Colmeia: Comportamento
O comportamento da Scaptotrigona depilis é caracterizado por sua natureza defensiva e padrões de forrageamento específicos. A espécie é considerada agressiva e muito comum.26 Essa agressividade é uma característica importante a ser considerada pelos meliponicultores, pois pode influenciar a escolha do local do meliponário e as técnicas de manejo durante as inspeções.
Em relação ao forrageamento, a Scaptotrigona depilis demonstra preferência por pólen de Eucalyptus sp., o que se deve à alta concentração de pólen nas copas dessas árvores e a mecanismos específicos de forrageamento que resultam em grandes concentrações de forrageiras em poucas fontes produtivas de pólen.26 Essa preferência oferece uma orientação prática para os meliponicultores, sugerindo que o plantio de eucaliptos ou a localização de meliponários próximos a essas árvores pode otimizar a produtividade da Scaptotrigona depilis. No entanto, a espécie também possui um potencial generalista, adaptando-se a uma diversidade de fontes florais disponíveis 26, o que lhe confere flexibilidade em diferentes ambientes.
Embora não haja informações detalhadas nos materiais disponíveis sobre comunicação ou hierarquia social específica para S. depilis, a dependência de fungos para o ciclo de nascimento, observada também em outras espécies do gênero Scaptotrigona, Tetragona, Melipona e Frieseomelitta 22, sugere uma complexa interação biológica que transcende a mera coleta de recursos. A compreensão desses aspectos comportamentais é vital para um manejo eficaz e para a valorização da espécie em contextos de meliponicultura e conservação.
7. Tesouros da Colmeia: Mel e Própolis
A Scaptotrigona depilis não é apenas uma abelha de curiosidades biológicas, mas também uma produtora de recursos valiosos. Embora os detalhes específicos sobre as características do mel da S. depilis não estejam amplamente descritos nos materiais fornecidos, relatos de apicultores no Ceará indicam uma produtividade de três litros de mel por colônia por ano para espécies do gênero Scaptotrigona.25
A própolis da Scaptotrigona depilis é um de seus produtos mais promissores. O extrato etanólico de própolis de S. depilis (EEP-S) demonstrou uma atividade antimicrobiana superior em comparação com a própolis de Melipona quadrifasciata anthidioides.27 Essa própolis foi eficaz na inibição do crescimento de bactérias e fungos clinicamente relevantes, incluindo cepas resistentes a antimicrobianos, o que a posiciona como um recurso com potencial para uso na prevenção ou tratamento de infecções microbianas.27 A composição química da própolis de S. depilis pode variar significativamente dependendo da região e da flora local. Por exemplo, foram detectados éteres metílicos de quercetina e metoxicalconas, sugerindo Mimosa tenuiflora como uma provável fonte de resina. Em contraste, em uma amostra coletada no Mato Grosso do Sul, foram encontrados estigmasterol, taraxasterol, ácido vanílico, ácido cafeico, quercetina, luteolina e apigenina.28 Essa variação na composição química é um fator crucial, pois implica que as propriedades medicinais da própolis não são uniformes e dependem do contexto ambiental específico, o que tem implicações para o controle de qualidade e a padronização em aplicações comerciais. A robusta atividade antimicrobiana da própolis de S. depilis contra patógenos resistentes a medicamentos representa um avanço significativo no entendimento de seu valor farmacológico.
8. Guardiãs do Ecossistema: Importância Ecológica
A Scaptotrigona depilis desempenha um papel ecológico e agrícola de grande relevância, contribuindo significativamente para a polinização de ecossistemas e culturas. No Brasil, as abelhas sem ferrão podem ser responsáveis por até 90% da polinização em um ecossistema.26 A preservação dos meliponíneos, incluindo a S. depilis, é fundamental para a manutenção da base da cadeia alimentar, uma vez que a vasta maioria das espécies vegetais nativas depende de polinizadores para sua perpetuação.23
A polinização realizada por abelhas pode aumentar diretamente a produtividade de plantas cultivadas, e a Scaptotrigona depilis é considerada um excelente polinizador potencial para uso agrícola.26 Sua eficiência foi avaliada em culturas como o pepino (Cucumis sativus) em ambientes de estufa, onde se observou que a polinização por S. depilis resultou em frutos de tamanho e peso superiores em comparação com o cultivo em campo.21 Esse sucesso na polinização em ambientes controlados posiciona a Scaptotrigona depilis como uma ferramenta prática para a agricultura moderna, oferecendo uma solução sustentável para o aumento da produção de alimentos. A capacidade da espécie de enxamear e ocupar colmeias vazias 29 também indica seu potencial para a expansão de colônias e a colonização de novos habitats, reforçando sua importância para a resiliência dos ecossistemas.
9. Desafios e Proteção: Ameaças e Conservação
A Scaptotrigona depilis enfrenta sérias ameaças que comprometem sua sobrevivência e exigem ações de conservação. A crescente devastação de habitats naturais é um dos principais desafios, resultando em uma diminuição significativa dos recursos florais nativos.26 Além da perda de habitat, as abelhas do gênero Scaptotrigona, incluindo a S. depilis, são particularmente sensíveis a agrotóxicos. Estudos demonstraram que suas larvas podem ser afetadas por neonicotinoides, como o tiametoxam, o que leva à redução da sobrevivência e do desenvolvimento.30 Essa sensibilidade a pesticidas é uma preocupação crítica, pois a S. depilis é considerada um potencial indicador de contaminação ambiental por esses produtos.30 Isso significa que o monitoramento da saúde dessa espécie pode fornecer alertas precoces sobre a degradação ambiental, estabelecendo uma relação causal direta entre as práticas agrícolas humanas e a saúde das abelhas.
Outra ameaça, de natureza intra-espécie, é a tendência da Scaptotrigona depilis de invadir colônias mais fracas de outras espécies. Por essa razão, é recomendado que os meliponários que abrigam essa espécie sejam mantidos a uma distância considerável de outros meliponários.18 A preservação das abelhas nativas brasileiras, incluindo a S. depilis, é uma questão de consciência histórica e ecológica, dada sua importância como polinizadores.26 Normativas como a Portaria nº 665 de 2021 consideram planos de ação nacionais e estaduais para a conservação de espécies ameaçadas de extinção.31 A compreensão de sua vulnerabilidade a pesticidas e seu papel como bioindicador ressalta a urgência de adotar práticas agrícolas sustentáveis e de proteger os habitats naturais para garantir a sobrevivência a longo prazo da Scaptotrigona depilis e a saúde dos ecossistemas.
10. Dicas para o Meliponário: Manejo em Meliponários
O manejo da Scaptotrigona depilis em meliponários requer atenção a detalhes específicos, especialmente no que tange à estrutura das colmeias e à termorregulação. Para colmeias racionais, o modelo Portugal-Araujo é amplamente utilizado para Scaptotrigona mexicana (uma espécie do mesmo gênero) e pode ser adaptado para a S. depilis. A inclusão de materiais isolantes, como poliuretano ou poliestireno expandido, no design das caixas é crucial para garantir uma melhor termorregulação do ninho.32 A temperatura ótima do ninho, que varia entre 31 e 35 °C, é vital para o desenvolvimento da cria. Se a termorregulação for inadequada, as abelhas podem investir uma quantidade excessiva de energia na construção de estruturas de isolamento, em detrimento da coleta de néctar e pólen, essenciais para o desenvolvimento e sobrevivência da colônia.32
A divisão artificial de colônias é um método comum na meliponicultura, mas a sobrevivência da colônia filha pode ser crítica se as condições não forem adequadas. Durante a divisão, partes do ninho são destruídas, expondo a cria a flutuações de temperatura.32 Para proteger os favos de cria transferidos, pode-se revesti-los com cera de Apis mellifera.32
Uma dica de manejo fundamental, dada a natureza da Scaptotrigona depilis, é manter seus meliponários distantes de outras espécies de abelhas. Isso se deve à sua tendência de invadir colônias mais fracas, o que pode levar a perdas significativas em outros enxames.18 A implementação dessas práticas, que consideram as necessidades fisiológicas da espécie e seu comportamento inter-espécies, é essencial para um manejo produtivo e para a coexistência harmoniosa em um meliponário diversificado.